Samba sem conservantes nem aditivos. Curtido em madeira nobre, temperado com o perfume sublime do couro. Ao sorvermos este Samba de gole em gole, incensamos nosso espírito que vagueia rumo à felicidade suprema. Bebam, e sejam eternos.



quarta-feira, 17 de junho de 2009

Pianos pioneiros de Chiquinha e Nazareth

No próximo domingo o Conjunto Retratos estará no Teatro Paulo Eiró com o recital Os Pianeiros.
Será uma deliciosa homenagem a Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, ambos nascidos no Rio de Janeiro no século XIX.
O público vai embarcar um passeio pelo requinte das músicas de Ernesto Nazareth, considerado o maior compositor de tangos brasileiros e demarcador de rumos para o Choro, e a simplicidade e balanço das músicas de Chiquinha Gonzaga, compositora, instrumentista e regente, considerada com a maior personalidade feminina da música brasileira e também como a primeira pianista de choro.
Visite o site oficial do conjunto.
Ah!... Voce não vai conseguir inventar desculpas pra não ir neste show.
A entrada é grátis.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um domingo imortal

-->Meu colega de copo e de cruz Ary Marcos teve a honra ontem de apertar as mãos de dois paulistanos imortalizados pelo Samba.
O primeiro encontro inesquecível foi com Paulo Vanzolini. O mestre estava na manhã do domingo 31 de maio na platéia ouvindo sua mulher Ana Bernardo se apresentar no Mercadão Central, na Cantareira.
E ficou muito feliz ao saber da homenagem que fizemos a ele no seu aniversário. E parabenizou meu parceiro pelo repeteco de suas músicas na programação especial do último final de semana.

O Arnesto que mora no Braz ‘tava na Vila Madalena!!!
Do Mercadão da Cantareira meu mano Ary rumou para o bar da Meirinha, na Vila Madalena. Meirinha dirige o CEM (Centro Etílico e Musical) e ontem programou uma homenagem especial a Adoniran Barbosa.
Quando Ary se aboletou na cadeira pra assistir, advinha quem estava na platéia?
Reproduzo aqui um excelente texto sobre este personagem eternizado em samba.

Olha o Arnesto aí

Por Pedro Nastri
Publicação original do site
(10.nov.2008)
Um dos maiores sucessos de Adoniran Barbosa diz que o Arnesto (acima em foto de Luiza Sigulem) convidou prum samba no Braz, mas quando os amigos chegaram, não havia ninguém...

Mas não é verdade. O Arnesto - na verdade Ernesto Paulella -, perto de completar 92 [a matéria é do ano passado; Arnesto fará 93], perfeitamente lúcido, ainda se lembra muito bem dessa história, que ele mesmo vai contar mais adiante.
É verdade que nasceu no Brás, na Rua Flora, onde os pais - imigrantes italianos da região de Nápoles - haviam se instalado desde que desembarcaram no Brasil em 1896. Com seis anos, Ernesto corria as ruas do bairro vendendo chuchu, para ajudar o pai, sapateiro de ofício. Aos onze, arrumou seu primeiro emprego num armazém de secos e molhados na Rua João Antônio de Oliveira, ganhando 14 mil réis por mês.
Esperto, honesto e inteligente, conseguia cativar os patrões, e assim trocou várias vezes de emprego, sempre ganhando um pouco mais. E sempre trabalhando como atendente e balconista. Tinha pouco mais de vinte anos e trabalhava na Casa Planeta, uma loja de miudezas na região do Mercado, quando recebeu um convite para trabalhar na Fábrica de Ceras Record e assistiu a uma das cenas mais insólitas da sua vida: os dois patrões se engalfinhando, na disputa pelo "passe" do empregado. Mais forte, e até porque tinha também um revólver na mão, Salvadore Basile (o dono da fábrica de ceras) acabou levando a melhor. E, mesmo constrangido, Ernesto foi trabalhar com ele, ganhando o dobro do salário e com direito à participação nos lucros. Dali só sairia 36 anos depois, quando já ocupava o cargo de sócio-diretor.
A necessidade de trabalhar não deixou muito tempo para os estudos. Mesmo assim, não deixou de freqüentar as aulas no Colégio Oswaldo Cruz, na Rua da Mooca, e, aos 64 anos, já aposentado, formou-se em Direito. E ainda iria advogar por mais trinta anos.

Como tudo começou

Ernesto tinha dezesseis anos e trabalhava numa papelaria no Brás quando comprou seu primeiro violão (com ele à direita, em foto de Luiza Sigulem), para fazer serenatas com o pai que, além das habilidades no ofício de sapateiro, exibia também qualidades como tenor. Algum tempo depois, juntou-se a alguns colegas de serviço para formar o conjunto "Chorinho da Madrugada". Começaram a tocar no programa de Nhá Zefa, na Rádio Bandeirantes, que tinha seu estúdio na Rua São Bento. Um dia foram dar uma "canja" na Rádio Record, na Rua Conselheiro Crispiniano. E é ali que a história vai começar, pois Adoniran Barbosa estava na porta.

Nhá Zefa fez as apresentações, Adoniran pediu um cartão, olhou e murmurou:
- Ernesto Paulella. Não seria melhor Arnesto?
Ernesto não entendeu. Adoniran emendou:
- É, Arnesto é melhor. Até porque Arnesto dá samba.
Ernesto continuou sem entender. Mas, antes de se despedirem, Adoniran ainda lhe disse:
- Vou fazer um samba com o seu nome, você duvida?

A empatia surgida naquele momento se transformaria em grande amizade, alimentada por longos papos na Leiteria Pereira, na esquina da Rua São Bento com a Praça Patriarca, onde Ernesto tomava água Prata e Adoniran variava entre o conhaque e o Martini. E de onde os dois partiam para tocar nos bancos da Praça da Sé.
Era início dos anos 40 e, a partir daí, os dois tomariam rumos diferentes, para só voltarem a se cruzar mais de quinze anos depois. Ernesto casou-se, em 1941, com Alice, com quem teve seis filhos, um dos quais (uma menina) morreu tragicamente ao escapar das mãos do médico na hora do parto.
Nesse período, depois de passar pela Rua Madre de Deus e pela Rua do Hipódromo e já morando num sobrado da Rua Tagi, próximo da Rua dos Trilhos, viu a Mooca se transformar. A começar pela praça existente ao lado da sua casa (hoje Praça Kennedy), na época, reduto inexpugnável do 5 de outubro, um dos times mais valentes da várzea da Mooca. E também pela própria Rua dos Trilhos, onde existia apenas um córrego e onde, na época de menino, seus colegas costumavam caçar passarinhos. Depois veio a Radial Leste, construída sobre a antiga Rua Conselheiro Justino e que roubou cinco metros do seu quintal. E estava exatamente ali, no quintal, num dia de 1955, quando ouviu pela primeira vez pelo rádio o "Samba do Arnesto", cantado pelos Demônios da Garoa.
Chamou a mulher:
- Alice, essa peteca é minha!
- Que história de peteca é essa, Ernesto?
- É o samba que o Adoniran disse que iria fazer para mim.
Comovidos, os dois se abraçaram. "Não deu para não chorar", lembra ele hoje, novamente com os olhos úmidos.

Mas ainda se passariam dois anos até que Ernesto conseguisse reencontrar o amigo. Convidado para fazer uma apresentação na TV Record, na Avenida Miruna, estava nos corredores da emissora quando apareceu Adoniran Barbosa. Os dois se abraçaram e Adoniran perguntou:
- Arnesto, você gostou do samba que eu fiz pra você?
- Se gostei? Você quase me abriu ao meio de emoção.
- Então, me dá um abraço, que você é meu cumpadre.
Os dois se abraçaram novamente, mas Ernesto não deixou de reclamar:
- Mas você me deixou mal com essa história de dizer que eu dei mancada, que deveria ter deixado um recado na porta. Todo mundo me cobra isso.
Adoniran puxou o amigo pelo braço, deu uma piscada:
- Arnesto, segura essa: se não tinha mancada, não tinha samba.

Adoniran voltaria a emocionar o amigo doze anos depois, no programa Clube dos Artistas, comandado por Ayrton Rodrigues, na TV Tupi, quando lhe entregou autografada a partitura original do "Samba do Arnesto".
O violão espanhol comprado em 1930 na Loja Salmeron, ali ao lado da Praça da Sé, e que deu origem a toda essa história, ainda está guardado - em perfeito estado - num canto da sala. E é a ele que recorre para dedilhar alguma música, quando bate aquela vontade de lembrar um pouquinho do passado.
"Seo" Ernesto guarda com orgulho a primeira partitura de Samba do Arnesto, autografada por Adoniran. Foto: Luiza Sigulem