Samba sem conservantes nem aditivos. Curtido em madeira nobre, temperado com o perfume sublime do couro. Ao sorvermos este Samba de gole em gole, incensamos nosso espírito que vagueia rumo à felicidade suprema. Bebam, e sejam eternos.



sábado, 14 de setembro de 2013

Na esquina de Campo Limpo com New Orleans

(texto da orelha do livro Antologia Poética do Sarau do Binho. Para adquirir seu exemplar, acompanhe o sarau no Facebook)

Pedro e Adriano. Foto: David da Silva - 15.mar.2011
David da Silva

Toda terça-feira eu encontrava Thelonius Monk e outros monstros da música instrumental no bar (do Sarau) do Binho. Eles me esperavam sentados sobre as cordas das guitarras do Pedro Arnt e do Adriano Matos. Música de primeira logo no segundo dia útil da semana. As quatro notas cromáticas aumentadas em colcheias na canção Blue Monk me davam combustível para os outros seis dias.
Pelas paredes do boteco ainda ecoavam os versos declamados na noite anterior. Restava um pouco de palavras não ditas nos fundos das garrafas que haviam destilado as emoções do sarau na lua passada.
Aquele bar no encontro da Rua Avelino Lemos com a Rua Coronel Souza Ferraz não nos dava a menor chance de um mal começo semanal. Da segunda-feira ficavam poemas sobre paralelepípedos orvalhados. O melhor da poesia local em viva voz. Da noite seguinte, a audição dos gênios do jazz. Canções macadamizadas. Era ali onde Campo Limpo fazia esquina com New Orleans.

Primeira vez que pus os pés no (bar do) Sarau do Binho um verso do poeta Luan Luando ricocheteou pelas quinas das mesas, sumiu zunindo pela rua. E até hoje reboa entre as costelas que me gradeiam o coração.
Quem diz que sarau poético pode respirar longe dos balcões, aprendeu nada com a literatura universal. Reunião literária em bares das quebradas da Grande Sampa não corre risco de repetir aquele sarau dos Villains Bonhommes em 2 de março de 1872, quando aos berros de “merde!” Arthur Rimbaud  interrompeu um colega que recitava – se bem que eu não questionaria uma crítica intestinal de poeta do porte de Rimbaud...
O enleio das palavras com as garrafas incomoda inquilinos do poder. Não à toa, ao atacar a Inglaterra em agosto de 1940, Hitler mandou seus aviões da Luftwaffe bombardearem seis cervejarias e nada menos que 1.300  pubs de Londres.
O bar do Binho foi fechado por perseguição política camuflada de problema com documentação. De certa forma o desfecho desfavorável aliviou-nos a alma. Era constrangedor vê-lo às voltas com as exigências kafkianas da Subprefeitura.
As portas de aço baixadas serviram de trampolim para uma itinerância poética que muito agrada aos sarausistas – incorrigíveis batedores de pernas.
A intolerância burocrática municipal não conseguiu provocar a diáspora literária no Sarau do Binho.
Os criadores de versos e demais artistas da geografia poética fundada por Robinson Padial trazem tatuada no espírito a mensagem que Thelonius Monk deixou no seu Blue Monk: tudo é questão de tentativa e erro, perdas e ganhos. Encontrar um lugar ao sol não vem de maneira fácil:
Trial and error, loss and gain.Finding your one place in the sunDoesn't come the easy way
(Siga a carreira dos guitarristas Adriano Matos e Pedro Arnt no Facebook)