(compartilhado de Eugênia Rodrigues, da Tribuna do Samba-Choro)
Na primeira semana de junho estréia o documentário sobre o sambista paulistano e zoólogo Paulo Vanzolini.
O cineasta Ricardo Dias (foto à direita), diretor do filme, fala sobre este seu trabalho mais recente.
Assim como Vanzolini que se divide entre a paixão pela Zoologia e o Samba, Ricardo Dias se divide entre a sétima arte e a Biologia. Foi ele quem dirigiu os primeiros 67 programas da primeira fase do Globo Ciências.
Assista, antes, o trailer promocional desta obra-prima.
Com a Palavra Ricardo Dias:
"Um Homem de Moral é um filme sobre a música de Paulo Vanzolini. Sobre o Paulo Vanzolini. Sobre a cidade do Paulo Vanzolini. Ele acabou chegando a esses três conteúdos, eu diria.
Eu poderia ter feito este filme, sei lá, há vinte anos atrás. Eu poderia ter tido essa idéia, porque é o tempo desde quando eu tenho uma convivência íntima com o Vanzolini, muito próxima. Eu fiz filmes com ele como zoólogo. Eu o conheci quando eu era menino, uma coisa que eu coloquei no filme. Meu pai conhecia o Vanzolini. Meu pai, provavelmente foi aluno do pai do Vanzolini... Tem toda uma relação, uma história longa por trás dessa proximidade nossa.
E o filme saiu a partir dessa convivência. Foi quando eu fiquei sabendo do projeto, Acerto de Contas de Paulo Vanzolini. A coleção de CDs que ele ia gravar, finalmente, depois de muito tempo... E eu, quando soube disso, e quando eu soube que ninguém estava fazendo um making of da gravação do CD, eu falei: "Deixa que eu faço."
Quando aconteceu o espetáculo, a Zita Carvalhosa, da Superfilmes, produtora deste filme (com a 24 VPS), sabia do projeto, sabia que eu estava fazendo aquilo, mas até este momento ela não era minha parceira no projeto. Aí eu falei com a Zita, falei: "Olha Zita, vai acontecer o espetáculo, eu quero gravar. Mas só que agora eu quero gravar direito. Eu preciso levar três câmeras. Eu não posso gravar da maneira que eu estou fazendo a documentação das gravações. Aí a Zita: "Tá legal, vamos lá."
Eu chamei meus amigos fotógrafos. Chamei o Lauro Escorel, chamei o Alemão, o Hélcio Nagamine. A Tide e a Lia, minhas amigas também, técnicas de som. Falei: "Olha, vocês topam gravar assim, em consignação? Quem sabe isso vira um filme..." Felizmente, essas pessoas também foram muito generosas. E aí, aí realmente eu passei a ter uma coisa que fazia sentido. Dava pra juntar bastante coisa. E aí saiu a premiação, para a produção de um longa metragem. Aí, como saiu isso, claro, eu: "Espera aí, vamos crescer, vamos fazer virar um longa metragem mesmo. Como é que eu faço isso? Eu preciso gravar imagens com qualidade. Eu preciso fazer uma parte documental. Eu preciso fazer todo um trabalho adicional, pro filme virar filme."
Isso é uma coisa que me encanta, eu gosto... Porque é um filme muito paulista, muito paulistano. O Vanzolini é muito paulista, muito paulistano. Bairrista até mais não poder. E é um filme que foi viabilizado pelo poder público do Estado e da Prefeitura.
O fotógrafo Adrian Cooper, com quem eu trabalhei no meu primeiro longa, No Rio das Amazonas... [filme sobre o trabalho de Vanzolini como cientista especialista em serpentes] Tomando cerveja num bar com o Vanzolini, o Adrian uma hora chegou pra mim e disse: "Ricardo, por que você não faz um filme sobre isto? Por que você não filma isto aqui? Essa conversa... o Vanzolini assim?"
Ninguém fala do Vanzolini melhor do que ele próprio. Claro que é verdade. Não precisa... O Vanzolini é muito carismático, ele fala muito bem dele mesmo. Pra quê que eu vou perder tempo pegando a opinião de outras pessoas? Claro que vai ser interessante... Mas nunca vai ser tão interessante quando ele próprio, não é?
Então isso a gente fez, em duas sessões. Gravamos, sei lá, umas duas horas e tanto de conversa, que tem muita coisa mais... Nessa conversa ele conta histórias dele como zoólogo, um monte de coisas também. Não é só... ele não fala só de música. Mas eu tava particularmente interessado na parte de música. Antes de filmar a parte documental eu montei os musicais e depois com o material documental, complementamos a montagem. Tem dois momentos. Eu trabalhei com o Marcello Bloisi, que é meu montador há muitos anos.
Desde o momento em que eu gravava, quando eu estava no estúdio gravando, me veio a lembrança de um filme que foi muito importante na minha formação, que é Woodstock. Que é um musical. E eu lembrava que Woodstock tinha aquela coisa de telas divididas. E eu lembro que o meu primeiro dia de edição com o Marcello, eu comprei o DVD de Woodstock, e a gente passou quatro horas vendo Woodstock. A gente não montou uma cena. A gente não fez nenhum corte no filme. A gente ficou vendo Woodstock.
Ouvindo as músicas, como eu ouvi. No estúdio, ali, naquela situação particular, eu achei interessante que as músicas entrassem inteiras. Que eu não interrompesse uma música pra fazer um comentário, pra fazer uma entrevista. Isso pra mim era uma regra a ser seguida. E na questão de como ilustrar, pra inclusive fazer as passagens serem mais agradáveis e fluentes e bonitas, a idéia foi trabalhar com a idéia que abre o filme... O Vanzolini fala sobre a cidade, São Paulo. É provavelmente a grande fonte de inspiração dele... Da cidade e do povo: "Do povo, de cada um pessoalmente eu não gosto, mas do povo em geral eu gosto muito." Foi isso que eu falei pro Ebert quando a gente foi gravar as imagens, quando a gente saiu, pelas ruas de São Paulo, numa época muito favorável. Eu queria uma época em que estivesse chovendo. Era importante ter as ruas molhadas, ter aquela atmosfera de chuva, que eu acho que combina com a cidade. E a gente pegou a segunda semana de janeiro, em que a cidade está bem vazia. Então foi muito fácil transitar pela cidade e fazer aquela documentação, aquele registro todo. Da cidade e do povo.
Fazendo o filme que eu fiz antes deste, o curta metragem Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba, que eu fiz com o Thomaz Farkas. O Thomaz que era amigo do meu pai, que é amigo do Vanzolini, que tem uma proximidade grande. E eu, quando fui fazer o Pixinguinha, eu conheci muito de perto arquivo fotográfico do Thomaz. Eu vi que ele tinha ali um material maravilhoso. E aí eu falei: "Thomaz, olha eu estou fazendo um filme... Você tem imagens, tem fotos do centro de São Paulo nos anos 40 e 50, esse período em que o Vanzolini compôs muito. Eu gostaria de ver..." "Tá aí, pode olhar à vontade". Eu fui, encontrei essas imagens, elas estão no filme... É um privilégio você ter um sujeito lendo um jornal, no final da década de 40, na avenida São João, não é? Junto com "Cena de sangue num bar da avenida São João". Aquela foi feita pra eu usar 50 anos depois.
Boca da Noite foi das emoções fortes que eu diria... Foi no meu segundo dia de gravação, dentro do estúdio. A Márcia cantando, e ali me veio o universo poético do Vanzolini dentro daquela música, porque eu já viajei com ele. E eu vi aqueles personagens, não é? "Cheguei na boca da noite, sai de madrugada". Eu vi o caminhoneiro, eu vi a mulher que ele encontra na noite, na estrada e tal. E aí eu até pensei em fazer assim: " Eu vou filmar essas pessoas.... Não vai dar certo. A filmagem é muito invasiva, as pessoas vão ficar constrangidas. Eu não vou conseguir faze esse material funcionar.”
Mas aí, por acaso, realmente por acaso, eu pensei, acho que eu vou fazer fotos. E eu comentei isso um dia com o Bob Wolfenson, que é meu amigo. Eu tava em uma festa de amigos: "Eu vou fazer uma sequência..., estou fazendo um filme de fotos, de fotografias. Eu estou usando vários materiais, estou usando fotos do Thomaz e tal..." Ele falou: "Se você quiser eu faço as fotos pra você." Ele se ofereceu, não é? Eu falei: "Claro, vamos lá." Encontramos as pessoas. Em uma tarde a gente fez aquelas fotos, e é uma das sequências que eu mais gosto do filme. Ela joga bem dentro daquele universo, da música mesmo, da poesia daqueles personagens. Que são anônimos, mas que ao mesmo tempo são muito ricos. É como a música do Vanzolini mesmo.
Deu muito trabalho fazer o som deste filme. Mas o resultado me deixou muito satisfeito. Eu realmente gostei muito de ouvir o filme. Acho que é um filme que se ouve muito bem. Eu sabia que dentro do estúdio eu estava tranquilo. As gravações dentro do estúdio, tudo bem. Eu estou em um ambiente controlado, é estúdio, não tem ruído, a qualidade do som é boa. Ali eu estou tranquilo. Os ensaios, complicados. Os ensaios lá na casa do Vanzolini; barulho, eco, gente, confusão. Como é que faz? Vamos lá, vamos ver. Vamos ver o que dá pra melhorar.
O espetáculo? O espetáculo foi gravado em dois canais, na mesa de som do técnico do espetáculo. A gente não teve nenhuma interferência. Não tinha uma mesa com 20 canais, pra gravar cada instrumento separado. Não, a gente trabalhou ali, com as condições que tínhamos. E isso tudo a gente trouxe aqui pra este estúdio, a Input. E foi feito um trabalho incrível de recuperação... Tem momentos inclusive, tem situações em que a gente precisou até refazer. A gente editou, e aí eu cortava a música e sincronismo... Eu chamei os músicos pra me ajudar. A participação do Italo Peron, do Alexandre, do Rafa, de todo mundo que foi lá. E do Fernando Henna, que é o editor de som do filme, que é músico também. Pessoas da área, são músicos fazendo cinema. Sobre um músico que não é músico.
Originalmente o título do filme era – eu não tinha um nome, era Acerto de contas de Paulo Vanzolini, o filme. É um bom título este do DVD, é um título muito bom. E aí, eu não tinha um título pro filme. Eu falei: "É esse... o filme". Aí, um dia ele estava comentando de uma tese de uma estudante de pós graduação de letras, de Goiás, a Ludmylla Lima, que fez uma tese sobre o samba. No capítulo Paulo Vanzolini ela tenta explicar o Paulo Vanzolini. Ela fala que é um enigma, é muito difícil explicar uma pessoa com as características dele. Mas, de certa forma, resumindo, ele é um homem de moral. Quando ele falou isso eu falei: "Pronto, achei o título. Até que enfim eu tenho um nome pra esse filme." E a partir do momento do momento que eu tive o nome, tudo aconteceu.
AVISO AOS ALAMBIQUEIROS E TRIBUNEIROS DE FÉ E DE COPO:
Até domingo, 31 de maio, a Rádio Samba de Alambique está com programação especial sobre a música de Paulo Vanzolini, intercalada com outros dois Paulos geniais: Paulinho da Viola, Paulo da Portela e Paulo Cesar Pinheiro.
Sempre a partir das 11h até a última gota, ôps!, quer dizer até a última nota deste nosso alambique musical.
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