Samba sem conservantes nem aditivos. Curtido em madeira nobre, temperado com o perfume sublime do couro. Ao sorvermos este Samba de gole em gole, incensamos nosso espírito que vagueia rumo à felicidade suprema. Bebam, e sejam eternos.



quinta-feira, 20 de maio de 2010

Revelações de uma mulher de verdade

Para Matheus Trunk, repórter
“Ai, meu Deus!
Que saudades da Amélia!
Aquilo, sim, é que era mulher”
Mário Lago – Ataulfo Alves

Destilando idéias com amigos no Bar do Carioca, entrou na nossa conversa o Samba do Arnesto, do imortal Adoniran Barbosa. Que Arnesto existe em carne e osso, já contei aqui.
No clima dos bastidores de sambas eternos, bom saber que também existiu de verdade a famosa Amélia do samba de Mário Lago e Ataulfo Alves.
Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS) Ataulfo revelou o DNA desta fantástica personagem do Samba. Contou que Mário Lago lhe deu uma letra toda rimada no pretérito imperfeito sobre uma dona de casa que “lavava, engomava, cozinhava, não reclamava...”. Por exigências de melodia e ritmo Ataulfo fez algumas alterações na letra, e aumentou de 12 para 14 versos. Mário Lago bronqueou : “Isso aí não é meu. Você alterou tudo o que eu escrevi”. E renegou a musa que ele próprio havia concebido.
Mas, Ataulfo levava fé naquela história da mulher que “achava bonito não ter o que comer”. Ofereceu o samba a uns e outras – rejeição total. “Que me apareça alguém que diga que quis gravar. Mentira. Ninguém. Ninguém quis. Daí resolvi eu mesmo gravar”, disse o sambista com seu jeito enfático no histórico depoimento ao MIS em 17 de novembro de 1966, e transformado no disco Eu, Ataulfo em 1969, um ano após sua morte. A fala dele aqui não é transcrição; reproduzo de livre memória o que ouvi encantado aos 12 anos de idade.
E já que usei a palavra “encantado”...

Sem a menor vaidade

Foi no subúrbio carioca, no bairro Encantado, zona norte do Rio, onde viveu a inspiradora do legendário samba
Ai, Que Saudades da Amélia!
Amélia dos Santos Ferreira viveu até os 91 anos, quando uma pneumonia foi matá-la dentro de sua casa no dia 27 de julho de 2001. Nesta época ela havia se mudado para a zona oeste do Rio, em Realengo.
Esta mulher foi casada desde seus 14 anos de idade com o tipógrafo Pedro Prisco Ferreira. Em 45 anos de vida conjugal o casal botou 13 filhos no mundo. Para sustentar tantas bocas, Amélia fazia faxina e lavava roupa na casa de dona Eugênia, mãe da cantora Aracy de Almeida.
Aracy tinha um irmão baterista, o Almeidinha. O rapaz admirava a disposição de Amélia para o trabalho, sem nunca reclamar de nada. Sempre que a via na labuta, Almeidinha sacava o pandeiro e cantarolava: “Amélia não tem a menor vaidade / Amélia é que é mulher de verdade / Pega a roupa e lava à vontade".
Este caso chegou aos ouvidos do ator e poeta Mário Lago. O resto da história você já leu no início da postagem.
Só falta eu te contar que Ataulfo gravou Ai, Que Saudades da Amélia! no final de novembro de 1941, e o disco foi lançado em janeiro de 1942. Sucesso estrondoso no Carnaval daquele ano. Ataulfo gravou com o conjunto Academia do Samba. Sabe quem o acompanhou no cavaquinho? O lendário Jacob do Bandolim...

Só não sei ainda se Ataulfo ou Mário deram alguma graninha para Amélia, a título de gratidão pela inspiração que tanto lhes rendeu.
Procuro por uma edição da extinta revista Manchete do ano de 1976, onde há uma reportagem sobre Amélia, fotografada por Carlos Humberto TDC com texto de Atenéia Feijó.

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